Mais do que entretenimento, jogos digitais têm se destacado como ferramentas de inovação em áreas como saúde, educação e acessibilidade. No Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, professores e alunos conduzem pesquisas que unem inteligência artificial, gamificação e design, consolidando a instituição em um setor que só cresce, tanto no Brasil quanto globalmente.
Esse protagonismo ficou evidente na 23ª edição do Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital (SBGames), maior evento acadêmico da América Latina na área, e no III Workshop sobre Interação e Pesquisa de Usuários no Desenvolvimento de Jogos (WIPlay), dois espaços essenciais para o diálogo científico e a inovação em jogos digitais. “Ao longo dos anos, o ICMC tem se consolidado nas pesquisas e no desenvolvimento de jogos digitais, unindo inovação tecnológica e impacto social. Nosso objetivo é criar jogos que promovam uma integração mais inclusiva na sociedade e ofereçam soluções para necessidades reais”, afirma a professora Kalinka Castelo Branco, vice-diretora do ICMC.
Inovações e premiações – No SBGames, realizado em Manaus, de 30 de setembro a 3 de outubro, o ICMC apresentou seis artigos, com destaque para o trabalho “Towards Adapting a Content Orchestrator to a Different Game Genre”. Premiado como o segundo melhor artigo da trilha Computação, o artigo foi desenvolvido pelo mestrando Tyago Teoi, em colaboração com Leonardo Pereira, ex-aluno do ICMC e atualmente professor na Unesp em Rio Claro, sob a orientação do professor Cláudio Toledo.
A pesquisa propôs um sistema que cria narrativas, níveis e desafios automaticamente. Originalmente projetado para jogos de aventura 2D, como The Legend of Zelda, o sistema foi adaptado para plataformas 2D no estilo Super Mario Bros. “Esse artigo demonstra como algoritmos podem ser reutilizados de forma inovadora, abrindo novas possibilidades na criação de jogos digitais”, destaca Toledo.
Outro reconhecimento veio no Festival de Artes do SBGames, no qual o projeto Hacker Cave conquistou o terceiro lugar. As artes do jogo, criadas por Laura Ferré Scotelari, aluna de graduação do ICMC, foram premiadas por sua qualidade e criatividade. Idealizado pelo doutorando Matheus dos Santos Luccas, sob a orientação da professora Kalinka e coorientação do professor Leonardo Pereira, o jogo apresenta uma inovadora abordagem de ensino de conceitos de introdução à programação. “Hacker Cave é um exemplo de como a arte e a tecnologia podem se unir para criar experiências educativas cativantes. Esse reconhecimento reforça o impacto do trabalho colaborativo e interdisciplinar realizado em nosso Instituto”, comemora Kalinka.
No mesmo evento, Leonardo Pereira apresentou artigo que oficializou a criação do grupo Re-G3X, formalizando a parceria entre pesquisadores do ICMC e da Unesp. Com foco em gamificação, jogos educativos e realidade estendida (XR), o grupo desenvolve projetos como o Task Complete, que destaca o potencial dos jogos sérios para promover aprendizado e engajamento.
Jogos para educação e saúde – Destaque do SBGames, o trabalho Task Complete: A Gamified Solution to Exercise Positive Habits in Players with Intellectual Disabilities foi desenvolvido como trabalho de conclusão de curso pelo aluno Pedro Michalichem, sob orientação da professora Kamila Rodrigues, do ICMC, e do professor Leonardo. O artigo propõe a utilização da gamificação para criar hábitos positivos em pessoas com deficiência intelectual. “O diferencial está na adaptação de técnicas de acessibilidade e interação humano-computador para o público-alvo, garantindo impacto direto em seu bem-estar”, explica Kamila.
A professora também coordena o desenvolvimento da plataforma Rufus, uma solução inovadora que permite aos profissionais das áreas de saúde e educação criarem seus próprios jogos, mesmo sem conhecimento técnico em programação. “Na Rufus, o profissional define a temática e o público do jogo, carregando imagens, textos e outros elementos, conforme o objetivo que deseja alcançar. É ele quem cria e personaliza o jogo, adaptando-o às necessidades específicas de seus alunos ou pacientes”, detalha Kamila.
Atualmente, a Rufus oferece cinco mecânicas de jogo, como perguntas e respostas, puzzles e narrativas. Além disso, uma nova mecânica de jogo, envolvendo Pensamento Computacional, está sendo testada em duas turmas do Instituto Acorde, de São Carlos, com foco em temas como alimentação saudável. “Nosso papel como pesquisadores deste projeto é criar soluções intuitivas, que permitam a qualquer profissional usar a Rufus para construir seus próprios jogos de maneira prática e eficiente”, completa a professora.
Contribuições no WIPlay – Já no III WIPlay, realizado de 7 a 11 de outubro em Brasília, os pesquisadores do ICMC apresentaram o artigo “Towards Evaluating a Procedural Content Orchestrator Gameplay Data to Differentiate User Profiles“. O estudo discutiu como as métricas de jogabilidade podem ser utilizadas para personalizar conteúdos, oferecendo experiências mais adaptadas às preferências dos jogadores. “A personalização é essencial para criar jogos que se adaptem aos diferentes perfis dos usuários. Nossa pesquisa mostra como a inteligência artificial pode viabilizar esse processo, proporcionando experiências mais envolventes e relevantes”, comenta Toledo. O evento foi organizado pela professora Kamila Rodrigues e por dois professores da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Formação de talentos – Embora o ICMC não ofereça disciplinas regulares voltadas exclusivamente para jogos, a formação de profissionais e pesquisadores na área é fortalecida pelo grupo de extensão Fellowship of the Game (FoG). Com uma longa tradição na capacitação de estudantes em desenvolvimento de jogos, o FoG desempenha um papel essencial no Instituto.“O FoG preenche a lacuna deixada pela ausência de disciplinas específicas, oferecendo aos alunos uma base sólida, tanto prática quanto teórica, que os prepara para atuar em pesquisa e também no mercado de trabalho”, destaca Kamila.
Com cerca de 20 participantes, o grupo colabora em projetos acadêmicos e publica jogos em plataformas como o itch.io. “Os alunos que passam pelo FoG saem preparados para criar soluções reais, levando o conhecimento adquirido para empresas e instituições, o que expande o impacto das nossas pesquisas e agrega valor à sociedade”, acrescenta Kalinka.
Protagonismo e perspectivas – Com prêmios, parcerias estratégicas e avanços tecnológicos, o ICMC segue ampliando suas iniciativas em jogos digitais. Entre os próximos passos estão o desenvolvimento de novos jogos sérios, a expansão das funcionalidades da plataforma Rufus e a exploração de avanços em inteligência artificial para criação de conteúdos dinâmicos e personalizados.
Texto: Gabriele Maciel, da Fontes Comunicação Científica
Mais informações
Acesse o site do Rufus: https://rufus.icmc.usp.br/login
Acesse o site do Fellowship of The Game: https://www.fog.icmc.usp.br/